Anísio Teixeira, o inventor da escola pública no Brasil
O educador propôs e executou medidas para democratizar o ensino brasileiro e defendeu a experiência do aluno como base do aprendizado
Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a
educação brasileira no século 20, Anísio Teixeira (1900-1971) foi
pioneiro na implantação de escolas públicas de todos os níveis, que
refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para todos. Como
teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas
idéias. Muitas delas eram inspiradas na filosofia de John Dewey
(1852-1952), de quem foi aluno ao fazer um curso de pós-graduação nos
Estados Unidos.
Dewey considerava a educação uma constante
reconstrução da experiência. Foi esse pragmatismo, observa a professora
Maria Cristina Leal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que
impulsionou Anísio a se projetar para além do papel de gestor das
reformas educacionais e atuar também como filósofo da educação. A marca
do pensador Anísio era uma atitude de inquietação permanente diante dos
fatos, considerando a verdade não como algo definitivo, mas que se busca
continuamente.
Para o pragmatismo, o mundo em transformação
requer um novo tipo de homem consciente e bem preparado para resolver
seus próprios problemas acompanhando a tríplice revolução da vida atual:
intelectual, pelo incremento das ciências; industrial, pela tecnologia;
e social, pela democracia. Essa concepção exige, segundo Anísio, "uma
educação em mudança permanente, em permanente reconstrução".
Didática da ação
As novas
responsabilidades da escola eram, portanto, educar em vez de instruir;
formar homens livres em vez de homens dóceis; preparar para um futuro
incerto em vez de transmitir um passado claro; e ensinar a viver com
mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Para isso, seria
preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova visão da
psicologia infantil.
O próprio ato de aprender, dizia Anísio,
durante muito tempo significou simples memorização; depois seu sentido
passou a incluir a compreensão e a expressão do que fora ensinado; por
último, envolveu algo mais: ganhar um modo de agir. Só aprendemos quando
assimilamos uma coisa de tal jeito que, chegado o momento oportuno,
sabemos agir de acordo com o aprendido.
Para o pensador, não se
aprendem apenas idéias ou fatos mas também atitudes, ideais e senso
crítico - desde que a escola disponha de condições para exercitá-los.
Assim, uma
criança só pode praticar a bondade em uma escola onde
haja condições reais para desenvolver o sentimento. A nova psicologia da
aprendizagem obriga a escola a se transformar num local onde se vive e
não em um centro preparatório para a vida. Como não aprendemos tudo o
que praticamos, e sim aquilo que nos dá satisfação, o interesse do aluno
deve orientar o que ele vai aprender. Portanto, é preciso que ele
escolha suas atividades.
Por tudo isso, na escola progressiva as
matérias escolares - Matemática, Ciências, Artes etc. - são trabalhadas
dentro de uma atividade escolhida e projetada pelos alunos, fornecendo a
eles formas de desenvolver sua personalidade no meio em que vivem.
Nesse tipo de escola, estudo é o esforço para resolver um problema ou
executar um projeto, e ensinar é guiar o aluno em uma atividade.
Quanto
à disciplina, Anísio afirmava que o homem educado é aquele que sabe ir e
vir com segurança, pensar com clareza, querer com firmeza e agir com
tenacidade. Numa escola democrática, mestres e alunos devem trabalhar em
liberdade, desenvolvendo a confiança mútua, e o professor deve
incentivar o aluno a pensar e julgar por si mesmo. "Estamos passando de
uma civilização baseada em uma autoridade externa para uma baseada na
autoridade interna de cada um de nós", diz ele em seu livro Pequena
Introdução à Filosofia da Educação.
Como preparar o professor
para essa tarefa hercúlea da escola de hoje, ocupada por tantos alunos
que não se contentam em aprender apenas as técnicas e conhecimentos mais
simples mas também as últimas conquistas da ciência e da cultura? O que
fazer quando eles exigem informações até mesmo sobre tendências
indefinidas e problemas sem solução? Para responder a tantas questões,
os educadores do mundo todo precisarão de novos elementos de cultura, de
estudos e de recursos, propôs o pensador, que na prática instalou novos
cursos para professores. Só assim, dizia, os mestres tentarão renovar a
humanidade para "a grande aventura de democracia que ainda não foi
tentada".
A escola pública e integral como solução
A Escola Parque de Salvador, em 1950: projeto piloto de ensino integral.
Para ser eficiente, dizia Anísio, a escola pública para todos deve ser de tempo integral para professores e alunos, como a Escola Parque por ele fundada em 1950 em Salvador, que mais tarde inspiraria os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) do Rio de Janeiro e as demais propostas de escolas de tempo integral que se sucederam. Cuidando desde a higiene e saúde da criança até sua preparação para a cidadania, essa escola é apontada como solução para a educação primária no livro Educação Não É Privilégio. Além de integral, pública, laica e obrigatória, ela deveria ser também municipalizada, para atender aos interesses de cada comunidade. O ensino público deveria ser articulado numa rede até a universidade. Anísio propôs ainda a criação de fundos financeiros para a educação, mas, mesmo com o atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), os recursos são insuficientes para sustentar esse modelo de escola.
Biografia
Anísio Spínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900 em Caetité (BA). Filho de fazendeiro, estudou em colégios de jesuítas na Bahia e cursou direito no Rio de Janeiro. Diplomou-se em 1922 e em 1924 já era inspetor-geral do Ensino na Bahia. Viajando pela Europa em 1925, observou os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica, Itália e França e com o mesmo objetivo fez duas viagens aos Estados Unidos entre1927 e 1929. De volta ao Brasil, foi nomeado diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, onde criou entre 1931 e 1935 uma rede municipal de ensino que ia da escola primária à universidade. Perseguido pela ditadura Vargas, demitiu-se do cargo em 1936 e regressou à Bahia - onde assumiu a pasta da Educação em 1947. Sua atuação à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos a partir de 1952, valorizando a pesquisa educacional no país, chegou a ser considerada tão significativa quanto a Semana da Arte Moderna ou a fundação da Universidade de São Paulo. Com a instauração do governo militar em 1964, deixou o instituto - que hoje leva seu nome - e foi lecionar em universidades americanas, de onde voltou em 1965 para continuar atuando como membro do Conselho Federal de Educação. Morreu no Rio de Janeiro em março de 1971.
Educação como meta política
Fernando de Azevedo, reformador do ensino público, com normalistas
da Escola Caetano de Campos: Manifesto da Escola Nova.
Para sua reflexão
As
escolas comunitárias americanas inspiraram a concepção de ensino de
tempo integral de Anísio Teixeira. Lá, no entanto, a jornada
dificilmente tem mais do que seis horas diárias. O conceito entre nós
ampliou-se consideravelmente: escola de pelo menos oito horas e, no caso
dos Cieps, uma instituição que deveria dar conta de todas as
necessidades das crianças, até mesmo de cuidados maternos e moradia.
Numa realidade na qual os recursos são limitados, o problema é de
prioridades e decisões difíceis: manter uma escola com esse modelo para
uma minoria ou manter um modelo menos ambicioso para a maioria? Afinal,
Anísio também propunha uma escola para todos.
Leia mais sobre Anísio Teixeira
Educação Não É Privilégio, Anísio Teixeira, 253 págs., Ed. UFRJ, tel. (21) 2295-1595, 35 reais Pequena Introdução à Filosofia da Educação, Anísio Teixeira, 176 págs., Ed. DP&A, tel. (21) 2232-1768, 25 reais
Trajetórias de Liberais e Radicais pela Educação Pública, Diana Couto Pinto, Maria Cristina Leal e Marília Pimentel, 152 págs., Ed. Loyola, tel. (11) 6914-1922, 17 reais
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